quarta-feira, 23 de maio de 2012

V de Vingança


V for Vendetta, 2006



Camilla Guimarães
Karoline Dantas
Mauricio Cirilo
 Stephane Paula


O longa-metragem V de Vingança (V for Vendetta, EUA/Alemanha, 2006), dirigido por James McTeigue, é uma adaptação dos quadrinhos escrita por Alan Moore. A história se passa em um futuro onde o Reino Unido é governado por um regime totalitário que limita a liberdade da população.
O poder maior encontra-se nas mãos do alto Chanceler Adam Sutler, o qual foi eleito após um esquema de amendrontamento da população através de guerras e da disseminação de um vírus criado por meio de experimentos relacionados à mutação genética que matou mais de cem mil pessoas. Nesse contexto, Sutler aliado a Lewis Prothero, inicialmente magnata da indústria farmacêutica, surgem com a cura para o vírus e consequentemente a oferta de ordem e paz, desde que o povo dê em troca sua obediência. Assim, o primeiro é eleito Chanceler e o segundo se torna “a voz de Londres”, apresentador do programa mais popular da cidade que influenciava o pensamento dos cidadãos.
No filme, o Estado detinha o poder de todos os segmentos da sociedade, desde a mídia, a posse de obras de arte e até a religião. Ele impunha a ordem à população, que equivalia em tal contexto de opressão, aos seus súditos. A sociedade tinha que obedecer a um toque de recolher, era monitorada 24 horas por dia e as informações que acessavam eram todas manipuladas. Além disto, existia uma polícia secreta, os “homens-dedo”, que reprimia quaisquer condutas tidas como inadequadas. Tudo justificado como medidas de proteção.
Ao analisarmos o controle do Estado retratado, observamos o que Foucault chama de “práticas de cuidado de si”. Representado no filme de forma obsessiva e extremada, onde os indivíduos são submetidos a si mesmos, observados, controlados e cuidados. Não só os “homens-dedo”, mas cada um observava, controlava e cuidava de si mesmo e do outro (Figueiredo, 1995).
Nesse contexto, o protagonista, que atende pelo codinome V, surge como uma figura que irá combater esse Estado e seu regime totalitário. Em determinado momento, a outra protagonista, Evey, interpretada por Natalie Portman, diz “Ele era meu pai, minha mãe, meu irmão, meu amigo, ele era você, ele era eu, ele era todos nós”, fazendo alusão ao fato de que V representava toda população, à medida que lutava pelos seus direitos perdidos.
Suas primeiras ações foram explodir o Tribunal Central Criminal de Londres e invadir um canal de televisão com explosivos junto ao corpo a fim de ganhar visibilidade e mobilizar os sujeitos em prol de seus ideais. Após um discurso incentivando a reflexão das pessoas acerca de sua responsabilidade sobre a situação de submissão em que elas se encontravam, V convoca o povo a ir para frente do Parlamento inglês dali a um ano, no dia 5 de novembro. A partir desse momento, executa vários assassinatos que misturam uma vingança pessoal (ele fora utilizado como cobaia nos experimentos já citados) e sua luta por uma sociedade mais justa.
 Retornando aos ideais iluministas, vemos que eles são completamente opostos ao que há no filme, já que defendiam uma natureza humana universal, com todos os homens iguais, independentemente de sexo, raça, nacionalidade, classe e religião. Ao contrário, no caso, as minorias étnicas e os marginalizados eram utilizados como cobaias nos experimentos biológicos e torturados caso não colaborassem com o governo. Assim como havia um poder maior controlando tudo e todos.
V empreende uma saga, em busca da sua vingança, contra o Estado, onde ele acaba roubando, destruindo e matando pessoas. Tudo em prol de uma virtude maior: a justiça. Tendo em vista que no final suas ações trouxeram mais consequências positivas para a maioria, podemos falar de um utilitarismo.
Nesta perspectiva inferimos que o personagem agia por uma ética consequencialista, pois o que importava eram as consequências de sua ação, que determinam, em última análise, se essa ação é moralmente correta ou não, e definem o que conta como uma disposição virtuosa de caráter. No caso do filme, podemos dizer que o que justificou as más ações do personagem foram as consequências positivas alcançadas, tais como: a liberdade, a democracia e o direito à vida da população.
Outro momento em que podemos pensar nessa ética consequencialista é quando V arma para que Evey pense que foi capturada pelo governo quando na verdade ela está em seu porão. Durante meses V a tortura, a fim de que, assim como ele, ela liberte-se do medo que a aprisiona e torne-se alguém com coragem para realizar atitudes extremas em prol dos ideais que defende.
Seguindo nessa linha de análise, as ações de V tem como base um pensamento maquiavélico de que os fins justificam os meios.  Para falar de uma ética da vingança, se faz necessária a compreensão do termo ethos em sua definição etimológica de “morada do homem”. Algumas vezes, as ações vindicativas podem consistir somente na manutenção da ética em vigência. Seria admissível, nesse caso, conceber uma ética da vingança dentro de determinado grupo ou etnia, mantida por um ethos que acredita na “justiça feita com as próprias mãos”, por exemplo, como é o caso de V. Seria a lógica “olho por olho” implantada num sistema que justifica a vingança como resultado da violação de um estatuto social ou familiar (Guimarães, 2009).
Esse pensamento de que os fins justificam os meios também é defendido pelos repressores. Isso fica evidente na fala do chanceler de que para manter a estabilidade e o controle da sociedade, tudo vale. Só que aqui há uma inversão, pois o que está em jogo é o benefício de uma minoria dominante.
Na parte final do filme, V é assassinado após matar o chanceler e Evey opta por puxar uma alavanca que aciona um trem cheio de explosivos que destrói o Parlamento Inglês. Podemos pensar no ato de V como um altruísmo ético, visto que todas suas ações buscaram um bem maior para os outros, independente do mal que trouxeram para ele, no caso a sua morte.
A última cena do longa mostra a população se revoltando contra o Estado e indo às ruas exercer sua cidadania e buscar seus direitos, todos caminhando com a máscara utilizada por V. Porém, após o que podemos considerar como a vitória do povo, visto que o exército não se opõe mais à população, as pessoas retiram as máscaras. Este momento pode ser entendido como a afirmação da singularidade e da autonomia dos sujeitos que Foucault destaca como: “o esforço para afirmar sua liberdade e para dar a sua própria vida uma certa forma na qual poderia se reconhecer e ser reconhecido” (Menezes, 2006).
Por fim, podemos afirmar que as ações de V foram moralmente corretas se adotarmos a perspectiva de que a ação é moralmente mais correta quando segue uma regra cuja adoção se supõe produzir o bem maior para a sociedade que adota o sistema de regras a qual ela pertence. (Menezes, 2006)


Referências:

COSTA, C. Razões para o utilitarismo: uma avaliação comparativa de pontos de vista éticos. In: MENEZES, A. Ética, Bioética: Diálogos interdisciplinares. Natal: EDUFRN, 2006.

FIGUEIREDO, Luís Claudio. Foucault e Heidegger. A ética e as formas históricas do habitar (e do não habitar). Tempo Social; Rev. sociol. USP, S. paulo, 7(1-2):139-149, outubro de 1995.

GUIMARÃES, Denise Azevedo Duarte. Utopias, anacronias e distopias em v de vingança: das páginas para a tela. Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v. 1, n. 21, p. 70-87, julho/dezembro 2009.

 

MENEZES, A. Ética e modernidade: A dimensão da autonomia em Michel Foucault. In: MENEZES, A. Ética, Bioética: Diálogos interdisciplinares. Natal: EDUFRN, 2006.

 

TEIXEIRA, Leônia Cavalcante. Ética e subjetividade: indagações em Habermas e Rorty. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2003, vol.8, n.1, pp. 147-153.


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