terça-feira, 1 de maio de 2012

Agora




Bárbara Gabriele
Cíntia Asfora
Dandara Morais
Daniele Paulino
Dayany Ribeiro


Agora (2009), produção espanhola dirigida por Alejandro Amenábar, retrata a Alexandria do final do século IV, a segunda cidade mais populosa do Império Romano. Alexandria pulsava arte e cultura, cidade cosmopolita, acolhedora de judeus, romanos, egípcios, escravos e livres. Um verdadeiro caldeirão cultural, atravessado por elementos das culturas dos povos que constituíam um ethos, representado pelas pessoas, falas, gestos, espaços, narrativas, rituais que configuravam o funcionamento da cidade e as formas de se comportar e pensar dos seus cidadãos.
A história se centra em Hipátia (Rachel Weisz), filósofa, matemática e astrônoma, professora na prestigiosa escola da cidade; Davus (Max Minghella), seu escravo, apaixonado por ela; e Orestes (Oscar Isaac), seu aluno e futuro prefeito da cidade. Inicialmente, vemos uma Alexandria marcada por elementos da cultura greco-romana. Acompanhando estes personagens, assistimos à destruição da escola e biblioteca de Alexandria, símbolos do conhecimento científico da época, marcando a ascensão do cristianismo e o surgimento de uma Alexandria cristã, na qual a antes respeitada estudiosa Hipátia é, agora, perseguida enquanto acusada de ateísmo e bruxaria; Davus, não mais escravo, se torna membro de um grupo de fanáticos cristãos, os parabolanos; e Orestes tem sua posição ameaçada pelo bispo, Cirilo (Sami Samir), que vê em sua relação com a filósofa o ponto fraco de que precisa para derrubá-lo.
Nesse contexto de transformações e de embates religiosos e políticos, a mensagem cristã que apregoava igualdade entre os homens, ia de encontro à divisão de classes que colocava de um lado o senhor, homem livre, e de outro, o escravo, conseguindo cada vez mais adeptos seja pela pregação de uma mensagem “libertadora”, seja pela imposição ou violência, representada pelos massacres protagonizados diversas vezes pelos monges parabolanos contra judeus e pagãos.
O momento que marca a iniciação de Davus ao cristianismo, mostra o escravo cercado por mendigos, recebendo o convite de Ammonius (Ashraf Barhom) para distribuir aos pobres os pães que eram de seu senhor. Sabendo que o valor seria descontado de seu salário, este se mostra receoso. No entanto, o parabolano o faz refletir sobre o real valor do dinheiro frente à situação daquelas pessoas – e Davus, em uma atitude de altruísmo ético, distribui os pães aos pobres, a despeito das consequências negativas que sofreria.
Interessante é perceber que, apesar dos preceitos cristãos de paz, amor, respeito entre os homens e a própria máxima "não matarás", a morte de algumas pessoas em nome da propagação e consolidação desta religião parecia justificável naquele contexto, representando, na visão dos monges parabolanos, um bem maior para toda a cidade. Embora seja possível questionar se o sofrimento causado para a maioria não foi maior que o prazer e benefícios alcançados.
No cenário que se segue à destruição de um dos espaços de resistência à expansão da fé cristã, a biblioteca de Alexandria, Hipátia, convicta em seus princípios, negava-se a ser convertida ao cristianismo, preferindo se apoiar em seu ofício e paixão. Distanciada dos embates e discussões religiosas do mundo lá fora, recolhida em sua “habitação”, ela pôde expandir seus conhecimentos científicos e refletir filosoficamente sobre a situação na qual Alexandria se encontrava. Contudo, a posição assumida corajosamente por ela, poderia custar caro. Hipátia, acusada de ateísmo e bruxaria, corria risco de vida. Sua proteção vinha do prefeito da cidade, apaixonado por ela, Orestes, seu ex-aluno e adepto ao cristianismo, que não poderia mais protegê-la caso ela não se convertesse à religião. Após pesar os malefícios (não negar os seus princípios e morrer) e os benefícios (abrir mão de suas convicções e viver) que poderiam decorrer dessa situação, no cálculo hedônico que realizou, Hipátia optou por sua filosofia, aceitando que a morte era uma melhor saída a viver negando o que acreditava.
O amor desmedido de Orestes por sua mestra o fez negar sua fé ao não se ajoelhar perante o livro sagrado cristão, a Bíblia, frente a toda a cidade. No entanto, ao voltar para seu palácio, Sinésio (Rupert Evans), amigo de Orestes, ex-aluno da filósofa e agora bispo da igreja, questiona o prefeito, perguntando à quantas mulheres ele serve. Nesse momento, através de suas indagações, Sinésio o faz refletir se estaria disposto a negar tudo o que acreditava, seus preceitos religiosos, para servir e morrer por uma mulher. Orestes cai em si e, reavaliando seu cálculo hedônico (abrir mão da fé cristã por causa de uma mulher e incitar os cristãos que o apoiavam, o que causaria um mal para ele e para a cidade), o prefeito decide que a ação mais correta é permanecer fiel aos preceitos religiosos, uma vez que isto representaria um maior bem para a maioria.
Ademais, uma interessante correlação que o filme permite é com a doutrina exposta pelo filósofo Friedrich Nietzsche em seu livro a Genealogia da Moral, no qual o autor faz uma distinção muitíssimo interessante entre a Moral de Escravos e a Moral dos Senhores. Para esta distinção ficar mais clara, é importante dizer que o autor tem uma profunda rejeição ao cristianismo, ao qual ao longo do livro ele associa a uma moral de escravos. Oportuno perceber que no filme, o cristianismo é justamente uma religião que se espalha entre as classes mais baixas, ou seja, os escravos, com quem Nietszche relaciona a moral cristã.
Para o autor, a moral dos senhores é um moral em que a vontade de poder estaria mais forte, uma vez que esta moral seria uma afirmação de si mesma, orgulhosa, ao passo que a moral dos escravos seria sempre uma força reativa, na qual sempre haveria uma parcela de ressentimento. Para Nietszche, a moral dos escravos sempre diz não ao que não é seu, o que se reflete no filme quando ao invadirem a biblioteca, estes a destroem, por ser um recanto de conhecimentos “pagãos.”  
Por fim, Alexandria convida a reflexão e ao questionamento diante de um mundo cercado por tantas formas de intolerâncias. Sua temática nunca foi tão atual, e demonstra a importância de habitar e pensar criticamente sobre o mundo a fim de nortearmos nossas ações e posicionamentos diante de uma sociedade frenética e tantas vezes insana.


REFERÊNCIAS

Costa, C.F. (2006). Razões para o utilitarismo: uma avaliação comparativa dos pontos de vista éticos. In Menezes, A.B.N.T., Ética, Bioética: diálogos interdisciplinares (pp. 15-38). Natal: EDUFRN.
Figueiredo, L.C. (1995). Foucault e Heidegger. A ética e as formas históricas do habitar. Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 7(1-2): 139-149.
Nietzsche, F. W. (S.N.). A Genealogia da Moral. Tradução de Antônio Carlos Braga. São Paulo, Editora Escala.
Lefranc, J. Compreender Nietzsche. (2005). Petrópolis: Vozes.

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