The Dark Knight
Arthemis Nunes
Eleni Araújo
Lorena Macedo
Shirllane Nunes
Impactante, reflexivo,
atual e, porque não... perturbador? Sob a direção de Christopher Nolan, Batman – Cavaleiro das Trevas, lançado em 2008, provou seu sucesso nas bilheterias dos cinemas, superando as
expectativas dos telespectadores ao apresentar um ritmo alucinante, com cenas de
tirar o fôlego. A luta entre aqueles que tentam manter a ordem e um “mensageiro
do caos”, que só quer ver o circo pegar fogo, cativou os milhares de fãs e
rendeu dois Oscars à produção. Enquanto Batman caracteriza-se por ser sério,
obscuro, silencioso, controlado e lógico, vemos um Coringa que é o oposto:
alegre, colorido, barulhento, impulsivo e aleatório.
O enredo passa-se em
um momento em que os criminosos de Gotham City estão temendo a presença, há
aproximadamente dois anos, de Batman (Christian Bale). O tenente
James Gordon (Gary Oldman) e o promotor público Harvey Dent (Aaron Eckhart) lutam
contra o crime organizado com a ajuda do justiceiro. Em função dessa ofensiva, os
chefes do crime se rendem a proposta feita pelo Coringa (Heath Ledger) e veem
nele a única alternativa para combater o Homem-Morcego. Nesse entrelace de
relações, podemos observar diversos comportamentos que nos levam a refletir até
que ponto nossos atos são e devem ser pautados por normas e regras e, se a
transgressão a estas em nome do que é melhor para todos configura-se como uma
possibilidade.
O filme permite algumas sensações
angustiantes. Dilemas são postos, escolhas devem ser feitas, as vidas de
pessoas são interrompidas e ainda há de se lidar com os “jogos” que o Coringa
deseja brincar. Além da angústia (que pode ser resultante) ao ver o filme, outros
sentimentos e reflexões também se fazem presentes, pois, em meio a tantas cenas
e situações problematizadoras, indagações são suscitadas, tal como “uma boa
intenção, leva a uma boa ação que necessariamente resulta em uma boa
consequência?”.
Pode-se pensar, a partir do
questionamento supracitado, nas diferentes abordagens éticas e,
consequentemente, nas formas particulares, e por vezes opositoras, de cada
concepção abordar um mesmo fenômeno. Destarte, no filme comentado é perceptível
que uma mesma ação, como, por exemplo, o fato de Bruce Wayne se tornar um
sujeito mascarado lutando contra o crime organizado pode ser visto de formas
diversas. Desse modo, tal ação pode ser avaliada de forma “boa”, pautada na
intenção de proteger a cidade, guiado pelo senso de justiça (éticas da virtude)
ou como uma “má” ação, ressaltando-se que há violação de regras morais para que
esse combate ao crime ocorra (éticas deontológicas).
Ademais, são notáveis no decorrer
da história: conflitos, opiniões divergentes e reflexões acerca dos atos que
devem ser feitos pensando na consequência para o ator social que a realiza, bem
como para a população da cidade. Nesse sentido, é interessante uma discussão
acerca do utilitarismo: visando o maior bem e/ou menor sofrimento para a
maioria dos sujeitos envolvidos. Batman e Lucius Fox se veem diante de um
impasse ético: enquanto Batman pretende utilizar o sistema de sonar criado por
Fox como um gerador- receptor de alta frequência para mapear todos os sinais de
celulares da cidade e, com isso tentar encontrar o Coringa, Fox considera isso
antiético e perigoso, mas, no entanto, o faz e diz que isso será sua demissão.
“Espionar
30 milhões de pessoas”, como diz Fox, não fazia parte de suas funções, mesmo
que esse fosse o preço a pagar para salvar Gothan. Vemos aí também um Batman que não se apresenta mais como um herói essencialmente bom,
mas um herói que está cheio de conflitos pelas condições em que é colocado.
Em tal contexto, cada
personagem mostrou uma forma de agir relacionada à sua própria conduta,
princípios e crenças no que é o “melhor”, mostrando claramente uma possível
ética utilitarista por parte do Batman. Além disso, a partir da mesma cena pode
ser apresentada também a ideia de autonomia, observando-se que cada um agiu
criticamente ao tentar exercer sua autonomia, e mesmo que Fox tenha feito
contra sua vontade o que Batman pediu, ele mesmo assim escolheu fazer, de modo
que exerceu sua autonomia dentro dessa relação de poder.
A autonomia tem
fundamental importância no quadro de problemáticas éticas na contemporaneidade
e, mais diretamente relacionada ao sujeito, se encontraria no âmbito da
crítica, que por sua vez é condição de possibilidade de criação da própria
existência dentro do campo das relações de poder. Como
condição de avaliação da ação moral, delimita várias esferas de problematização
da liberdade e do livre arbítrio do indivíduo, em aspectos políticos e sociais.
Por vezes, Batman tem a oportunidade de matar o Coringa, mas não o faz, sendo
inclusive questionado por este. Dentro de seu campo de problematização e ação
moral, a opção de não matar uma vida é maior que a possibilidade imanente de
várias outras serem mortas.
Fala-se, assim, em uma atitude de
modernidade ao fazer um diagnóstico do momento e seu contexto, em um exercício
de autonomia diante das múltiplas forças sociais. Batman, em seu esconderijo,
após ser ferido em uma luta contra uns bandidos, é alertado por Alfred: “Sempre
que você dá os pontos, é uma carnificina”, ao que responde: “É. Assim, eu aprendo
com os meus erros”. Batman reflete sobre si e suas ações e percebe, através dos
seus erros, o que deve ou não voltar a fazer. Nesse sentido, a ética do
indivíduo corresponderia a uma atitude crítica do fazer-se objeto para si mesmo
no que diz respeito à produção de autonomia enquanto construção da própria vida.
Outros impasses apresentados no
filme nos evoca a mais questionamentos, desta vez, relacionados à liberdade,
que além
de ser um conceito amplo e complexo, é polêmico. Entende-se, para Foucault, que
as leis e normas se dão como efeitos das práticas de liberdade, uma vez que são
a partir destas novas regras, como modos de ser, experimentar e de agir, que
elas serão constituídas.
Detenhamo-nos no Coringa,
um personagem marcado por uma história dramática, onde em seu passado vivencia
cenas de violência profundamente marcantes, a ponto de produzir nele a
incorporação de um personagem o qual é marca literal das cicatrizes em seu rosto,
escondidas por maquiagem. Marca de suas vivências, símbolo de quem é: ‘monstro’
e / ou criatura que aterroriza os outros por seus atos que acabam por se
vincular às suas características físicas, símbolo construído também por ele e
pelas emoções evocadas nos outros.
Considerando a condição
de liberdade à existência humana, é legítimo que ele tenha realizado todas
aquelas ações? Se existe aí implicado um posicionamento diante do mundo que se
colocou à sua frente, a não aceitação de normas impostas, combatendo as regras
e todas as fontes que pretendem governar condutas, é legítimo que tenha feito
tudo o que fizera? Longe de qualquer
apontamento sobre o que seja certo ou errado, o fato é que ao que parece, o Coringa
se fez escravo de seus desejos, ou seja, em sua suposta liberdade, passou longe
de estar de fato liberto. Pois, como se pode estar realmente livre a mercê da
dominação de seus impulsos?
Para Foucault, a
liberdade tem dois eixos principais: não deixar-se dominar pelo outro e dessa
forma, não exercer domínio sobre o outro. É o cuidado que devemos ter conosco
para não tomar o outro como simples objeto de nossas ações, bem como para não
ficar a mercê dele. O que se pretende é o governo dos apetites, de modo a
assegurar para si o domínio que permitirá administrar bem a relação consigo e
com o outro. O Coringa não tem domínio sobre si e, consequentemente, domina
também o outro.
Várias outras questões da
dimensão ética poderiam ser suscitadas no decorrer da trama, sempre nos levando
ao apontamento apresentado pelo Coringa: “Sabe, a moral deles... A honra... É
uma piada de mau gosto. Esquecem ao primeiro sinal de problema. As pessoas são
tão boas quanto o mundo permite”. Então, por que não assistir e se
(des)encantar com o filme, buscando compreender suas ações, lógicas e
reflexões?
REFERÊNCIAS:
Costa,
C.F. (2006). Razões para o utilitarismo: uma avaliação comparativa dos pontos
de vista éticos. In Menezes, A.B.N.T., Ética, Bioética: diálogos
interdisciplinares (pp. 15-38). Natal: EDUFRN.
Menezes,
A. (2006). Ética e modernidade: A dimensão da autonomia em Michel Foucault. In:
Menezes, A. Ética, Bioética: Diálogos interdisciplinares. Natal: EDUFRN.
RODRIGUES,
C.; TEDESCO, S. Por uma perspectiva ética das práticas de cuidado
contemporâneo. In: Ética e Subjetividade Novos impasses no contemporâneo. TEDESCO,
S.; NASCIMENTO, M. L. (Orgs.). Editora Sulina.
O filme,o documentario
ResponderExcluirNunca pensei nessa incrivel complexidade do Batman
Se pelo ao menos captássemos a essencia nos tornariamos pessoas melhores !